Uma neuropsicóloga a favor da educação
Aos 16 anos, ela quase repetiu de ano por conta das disciplinas
vilãs: matemática e física. Isso só não aconteceu por conta das
metodologias próprias criadas por ela, nas quais atrelava os conteúdos
escolares sempre a coisas cotidianas. O recurso deu tão certo, que, no
ano seguinte, a própria escola passou a indicá-la como professora
particular para estudantes do ensino fundamental. A experiência, na
adolescência, foi o combustível que despertou em Adriana o interesse em
entender quais eram os estímulos necessários para aumentar a capacidade
de aprendizagem nas pessoas. Hoje, mais de duas décadas depois, Adriana
Fóz carrega um currículo extenso e a superação de um AVC, que a fez
adentrar na neurociência. Entre seus ofícios, dedica-se aos avanços da
neurociência na educação, já escreveu livros sobre o funcionamento do
cérebro, inclusive, para crianças, além de coordenar um projeto voltado à
prevenção e saúde mental, em que capacita professores sobre como lidar
com a raiva e a ansiedade no convívio escolar.
Aos vinte e poucos anos, Adriana já acumulava uma graduação em
educação e o título de pós-graduada em psicopedagogia. Na época, ela
estava determinada a descobrir como mobilizar a emoção dos alunos para
alcançar a chamada aprendizagem significativa, termo cunhado pelo
psicólogo norte-americano David Ausubel ao afirmar que aquilo que é
aprendido sempre precisa fazer algum sentido para o aluno.
Mergulhada na teoria de Ausubel, ela começou a formar grupos de
estudos com a presença de especialistas renomados, como o neurocientista
Nelson Annunciato, PhD em programas de reabilitação neurológica da
Universidade de Munique, na Alemanha, e o neurologista José Salomão
Schwartzman, especialista em neurologia infantil. “Eu era bem mais jovem
que eles. O que era uma honra para mim. Era como se eu fosse um peixe
fora d’água nadando no imenso oceano”, afirma ela, que então vivia o
auge de sua vida profissional. Nessa época, inclusive, abriu uma clínica
multidisciplinar formada por diferentes profissionais, como
fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas familiares. “Era algo muito
inovador.”
Aos 32 anos, Adriana teve sua vida virada ao avesso:
sofreu um AVC hemorrágico. Passou quatro meses internada e quatro anos
em reabilitação.
No entanto, aos 32 anos, sua vida deu uma reviravolta quando sofreu
um AVC (Acidente Vascular Cerebral) hemorrágico. Passou quatro meses
internada e quatro anos em reabilitação. Perdeu os movimentos do lado
direito do corpo e não reconhecia nem mesmo seu próprio marido, com quem
estava casada havia dez anos. “Eu, que era especialista em leitura e
escrita, não sabia mais ler nem escrever”, conta. “Foi como se tivesse
dado um reset no meu HD interno, no qual eu precisava colocar tudo
novamente.”
Com depressão patológica e limitações físicas e cognitivas, Adriana
parou de clinicar e começou a buscar outras atividades à medida que sua
recuperação progredia. Fez aulas de samba, para reaprender
cognitivamente a andar, e curso de palhaço, para rir de si mesma. “Fui
desenvolvendo habilidades que até então eu não precisava, já que antes
eram automáticas, como andar ou segurar uma escova de dentes.”
Esses “novos” hábitos foram fundamentais para que ela adentrasse mais
a fundo no campo da neurociência. “Eu precisava entender por que,
apesar de eu não ter tido um derrame no cerebelo (parte do cérebro
responsável pela ação motora), eu não podia andar direito. Por que a
minha visão havia ficado comprometida, se minha região occipital (parte
do cérebro que comanda a visão) não havia sofrido nenhum dano? Por que
não sabia mais ler nem escrever, se a região parietal (responsável pela
leitura e escrita) estava sem nenhuma lesão?”
“A neurociência chega a ser vital. Na educação, ela
tem a função de dar aos professores mais instrumentos e ferramentas para
que eles sejam capazes de otimizar suas funções.”
As investigações prosseguiram e acabaram dando origem ao livro A Cura do Cérebro,
em que Adriana desvenda, a partir de sua batalha e recuperação do AVC,
outras indagações como: por que ela precisava raciocinar para que então
pudesse andar ou por que a recuperação da memória era gradual. A viagem
pelo cérebro avançou também rumo à academia. Anos depois, já
reabilitada, a educadora especializou-se em neuropsicologia na Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo).
Neurociência, uma questão vital
“Hoje, para mim, a neurociência chega a ser vital. O professor tem
como tarefa, durante o processo de aprendizagem dos alunos, trabalhar a
leitura, a matemática, mas imagina se ele também conseguir entender o
funcionamento do cérebro. É essa a principal função da neurociência na
educação: dar aos professores mais instrumentos e ferramentas para que
eles sejam capazes de otimizar suas funções”, afirma.
De acordo com ela, isso é fundamental para minimizar um dos
principais problemas que envolvem os professores: o desgaste
profissional. Em muitos casos, afirma, o educador não percebe que cada
aluno possui um ritmo diferente de aprendizado e que naturalmente ele
também precisará de orientações durante esse processo. “O único momento
da vida do ser humano onde a região do prazer tem menos
neurotransmissores passando pelo cérebro é na adolescência. Por isso os
jovens, normalmente, têm aquela inércia, preguiça, crise. Se o professor
entende que isso acontece por conta do funcionamento cerebral e não
porque o aluno está sendo folgado, ele consegue ajudar muito mais e
otimizar a tarefa de educar”, afirma Adriana, que também coordena o projeto Cuca Legal, iniciativa realizada pela Unifesp, que trabalha a prevenção e saúde mental com educadores.
Bye, bye, tristeza!
Desde o ano passado, a neuropsicóloga usa elementos da neurociência
para ajudar professores de escolas públicas de Paraisópolis – a maior
favela de São Paulo, na zona sul da capital – a terem melhores condições
de preparar suas aulas. “Para dar aula, o educador precisa, primeiro,
aprender a se respeitar enquanto ser humano, que fica estressado, com
raiva. Essa compressão é fundamental para que ele também entenda essas
características em seus alunos e consiga lidar melhor com eles, tanto do
ponto de vista comportamental, quanto pedagógico”, assegura.
“Os professores dessa escola especialmente queriam um
trabalho que pudesse ajudá-los a lidar com a raiva. Ensinamos como é o
ciclo da raiva, como ela é desenvolvida no cérebro, como acontece no
cotidiano.”
Segundo ela, a partir do momento que o professor compreende que um
determinado aluno de ensino fundamental tem certa aptidão para aprender
linguagem até os dez anos de idade, por exemplo, o professor passa a se
tornar mais responsável por interferir diretamente nesse aprendizado e
se ajudar a ajudar o aluno.
O projeto está sendo realizado em duas escolas da região. Na escola
estadual Maria Zilda Gamba Natel, desde 2012, os professores estão
participando das oficinas periódicas, que incluem rodas de discussão
sobre como agir e trabalhar aspectos voltados a raiva, ansiedade,
tristeza, entre outros. “Os professores dessa escola queriam um trabalho
que pudesse ajudá-los a lidar especialmente com a raiva. Ensinamos como
é o ciclo da raiva, como ela é desenvolvida no cérebro, como acontece
no cotidiano e como eles podem ajudar esses alunos a identificá-la para
poder dar espaço ao que é prioridade. Acabamos não só ajudando os
professores, mas também o aluno, já que ele passa a perceber a mudança
de atitude do educador e melhorar a relação cotidiana”, diz.
A partir deste ano, outra instituição de ensino – a escola estadual
Etelvina Góis de Marcucci – também contará com a capacitação dos
professores. O projeto pretende, no primeiro ano, trabalhar o
comportamento dos professores para, no ano seguinte, promover um avanço
pedagógico na escola.
Dentro do cérebro infantil
Mas o cardápio de iniciativas de Adriana parece não ter fim. Além da
formação dos professores em Paraisópolis, ela também está à frente de um
projeto no Departamento de Instituto do Cérebro,
do Hospital Albert Einstein. Lá, ela desenvolve uma coleção de livros
para crianças, de cinco a dez anos, sobre o funcionamento do cérebro.
“Trazemos exemplos da realidade da criança. Explicamos que andar de
skate, por exemplo, estimula o sistema límbico – responsável por
comandar as emoções. É a limbilândia, uma mistura de límbico e
Disneylândia.” A primeira obra, afirma, já foi produzida e será lançada
em setembro deste ano.
Do ponto de vista prático, Adriana afirma que, há dois anos, realizou
esta experiência, piloto, em escolas públicas de São Paulo e de Paraty,
no Rio de Janeiro. De acordo com ela, foi possível observar uma
melhoria na atitude das crianças quanto ao aprendizado em sala de aula.
“Ao entender como funciona seu cérebro, elas passam a mudar seu
comportamento e atitude, sentem-se mais estimuladas a aprender outras
coisas”, afirma.
07/05/13 por Vagner de Alencar
http://porvir.org/porpessoas/uma-neurocientista-favor-da-educacao/20130507
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